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SUICÍDIOS COTIDIANOS
[CENTRO]SUICÍDIOS COTIDIANOS * Luciano Pires [/CENTRO] Faz duas horas que estou apanhando do computador, tentando instalar uns programas. Recebi um DVD com a entrevista que dei ao Juca Kfouri e fui copiar. E então começou meu calvário. Tem que ter um programa pra copiar e outro para transformar a cópia num arquivo que eu possa manipular. E depois precisa de outro programa para editar o que foi copiado. Falei com um geninho nerd dos computadores e ele foi firme: é a coisa mais fácil! Me deu os nomes dos programas e lá fui eu. Duas horas apanhando. Um programa não conversa com o outro e o outro não se adapta ao um... Uma confusão sem tamanho! Mas é assim que é. Tenho que me resignar. E lá se vão três horas apanhando do computador. Aos domingos vou até a padaria comprar o lanchinho da noite. É o pãozinho aqui e os frios ali. Desde criança me fascina o processo de corte dos frios. O sujeito pega aquele pedação de presunto e bota naquela maquininha de fatiar e vai pegando fatia por fatia e colocando alinhadinha numa bandeja de papel. O que me fascina é apostar se ele vai adivinhar quantas fatias são necessárias para completar os 150 gramas que pedi. Quando ele pára e leva a bandeijinha para a balança é um momento de expectativa! Deu 153 gramas. Ou 147 gramas. Quase o peso exato que eu pedi! Mas uma coisa me intriga desde criança: será que ninguém até hoje fez um cortador de frios com a balança acoplada? O cara iria cortando as fatias e cada uma que caísse já marcaria o peso. Não teria que adivinhar! Seria mais rápido. Mas que besteira, Luciano. Assim é que é. Tenho que me resignar. E lá se foram quatro horas com o computador! Nesta semana vivi a experiência de homologar minha saída do emprego. Primeiro no Ministério do Trabalho de Diadema. Fila. Depois na Caixa Econômica. Fila. Aí no Poupa Tempo. Fila. Caixa Econômica de novo. Fila. E de fila em fila foram-se pelo menos quatro dias e não resolvi todas as questões. Uma loucura. E cruzei com outras centenas de pessoas na mesma situação. No Brasil devem ser milhares ou milhões diariamente gastando tempo e energia nas filas para resolver processos que deveriam ser simples. E olha que o Poupa Tempo já simplifica! Mas é assim que é. Tenho que me resignar. Cinco horas e o computador não ajuda. Quanto tempo perdido. Tempo é vida. Quanta vida perdida... Meu tempo é meu bem mais precioso. Cuido dele com zelo. Penso duas vezes antes de investi-lo. Não tenho tempo de sobra. Não tenho tempo pra perder. Por isso fico doente quando percebo que meu único, precioso e não renovável tempo está sendo desperdiçado por pequeninas coisas do cotidiano que, juntas, tornam-se o grande ladrão de vidas do cotidiano. Mas quando reclamo, dizem que tenho que me conformar, que é assim mesmo, que todo mundo passa por isso, que tem gente em pior situação, que as coisas são mesmo complicadas, que isto aqui é o Brasil... - Resigne-se, homem! Bem, lá se vão seis horas. E agora me recomendam baixar a atualização do Windows. Meu dia se foi, enrolado com aquilo que o desgraçado do nerd disse que era a ?coisa mais fácil?. Mas assim é que é, não é? O escritor francês Honoré de Balzac disse que ?a resignação é um suicídio cotidiano.? E a escritora estadunidense Bárbara Johnson parece completar: ?A dor é inevitável, mas o sofrimento, opcional?. Suicídios cotidianos. Opções. Eu fiz a minha: optei por não me resignar. Mas como dói... * Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br. ...


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